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A conversa como prática artística

The conversation as artistic practice
 

Publicado em anais na 27° Encontro Nacional da ANPAP. São Paulo SP, 2018

RESUMO
Este texto busca analisar e propor a conversa como prática artística. Tem por objetivo
investigar as possíveis relações artísticas entre as pessoas e o espaço público através da
conversação. Trata-se da vida como arte, de um estudo sobre os modos de comunicar, de
afetar e ser afetado. A partir de uma articulação teórico/prática das ações do projeto Sentar à Porta, é utilizada uma metodologia exploratória e diagnóstica. Consideramos a conversa como arte a partir da conversação, ou seja, quando ela vai além do genérico ato comunicativo; quando ela é ativadora de uma ação experimental e livre em si mesma.


PALAVRAS-CHAVE: conversa; espaço público; prática artística contemporânea; modos de
comunicar; conversação.


ABSTRACT
This text seeks to analyze and propose the conversation as artistic practice. Its purpose is to investigate possible artistic relations between people and the public space through
conversation. It is about life as art, about a study of ways of communicating, of affecting and being affected. Based on a theoretical / practical articulation of the actions of the Sentar à Porta project, an exploratory and diagnostic methodology is used. We consider the conversation as art from the conversation, that is, when it goes beyond the generic
communicative act; when it is an activator of an experimental and free action in itself.


KEYWORDS: conversation; public place; contemporary artistic practices; modes of
communication; conversation.



“A conversa é um efeito provisório e coletivo de competências na
arte de manipular 'lugares comuns' e jogar com o inevitável dos
acontecimentos para torná-los 'habitáveis'" (DE CERTEAU, 1980).

 


Este texto apresenta um estudo da conversa como prática artística. Conforme Certeau (l996) a arte de conversar e as retóricas da conversa ordinária são  práticas transformadoras  de situações da palavra, de produções verbais onde o
entrelaçamento das posições locutoras instaura um tecido oral sem proprietários
individuais, as criações de uma comunicação que não pertence a ninguém. O ato de
conversar é uma condição subjetiva coletiva pautada nas relações horizontais capaz
de transformar questões concretas no nosso cotidiano. O texto busca estabelecer
uma reflexão crítica a partir de um recorte da minha prática artística articulada com
teóricos. Trata-se da vida como arte, de um estudo sobre os modos de comunicar,
de afetar e ser afetado, e táticas de ocupação do espaço público. Para isto, cria-se
um diálogo entre público, espaço de ação e ao redor, possibilitando encontros que
geram conversas públicas, conversas íntimas, conversas inacabadas, dissidências e
cumplicidades.


Quando uma conversa começa? E quando ela termina? Quando ela nos forma, deforma e transforma? A conversa como arte é uma conversação, ou seja, quando ela vai além do genérico ato comunicativo; quando ela é ativadora de uma ação experimental e livre em si mesma. Poderíamos nos perguntar quando isso acontece? Pois, sabe-se que a conversa está nas práticas artísticas como um meio para se chegar à ação ou objeto de arte. O que nos interessa aqui é a conversa como prática artística ser meio e fim em si mesmo. A conversa começa a ser ativada como conversação quando prioriza o encontro, a palavra falada como duração de uma experiência artista-público, quando a escuta é instaurada, no momento em que se permanece no espaço disponível para trocas de experiências. Ao se colocar em relação ao outro de maneira horizontal, assumindo contradições, concordâncias e dissidências. Saindo do senso comum e para isto é preciso um cuidado crítico com as palavras e os sujeitos. Para ativar as manifestações de estar junto como processo artístico da-se foco nas experiências vividas como material de arte
(Foucault, 2006), referindo-se a voz humana, ao silêncio, a interação social (Mafessoli, 1998). Procuro através de projetos como Falar de tempo para falar de arte, 2013; Você tem um tempo?,2013; Sentar à porta, 2014-18; Criar na cidade, 2016-17, Cine boteco, 2018, outras possibilidades de práticas artísticas que extrapolem os espaços e formatos tradicionais, envolvam a comunidade, a natureza, e os processos sociais no qual estão inseridas. Neste texto serão abordadas apenas as ações do projeto Sentar à porta, realizadas na cidade de Pelotas-RS e Porto Alegre-RS entre 2015 e 2018. No entanto, os demais projetos foram fundamentais para estabelecer as questões aqui apresentadas. Todas as ações desenvolvidas ocorrem através da abordagem do diálogo, da possibilidade do encontro e da desaceleração do tempo no espaço público. Pontuando, tensionando e analisando os modos pelos quais nos colocamos em relação a nosso contexto social e político. Nesse sentido, cria-se através da conversação um ambiente coletivo onde a produção de arte é mais experimental e livre. Um ambiente que não dependente de espaço fixo. Mas, um ambiente mole que pode ser criado e recriado em diferentes contextos, apenas necessitando do envolvimento de um grupo de pessoas.
Foucault (2006) expressa sobre “cuidado de si” e sua culminância na vida compreendida como obra de arte denominada de “estética da existência”, onde aborda como o esquecimento que o sujeito tem de si mesmo leva a falta de cuidado consigo, ou seja, o sujeito deixa de “cuidar de si” e foca sua consciência fora dele. Significa que o homem descuida de sua forma de viver ao adotar modelos de verdades padronizados e normativos com relação a si, portanto, é preciso cuidar de si, confrontar-se com a condição atual, para então, cuidar do outro e cuidar do Mundo. Sócrates diz que “não é a arte por meio da qual deixamos melhor qualquer coisa que nos pertença, mas a que nos deixa melhores a nós mesmos”.É nesta esfera que a conversa se torna possibilidade de transformação de mundo. Portanto, de que forma esse espaço de escuta e de fala em espaço público proporciona formas de autonomia e cuidado do sujeito? As conversas tem um papel aglutinador, diversificado e heterogêneo que criam redes de colaboração entre os envolvidos, suas práticas e a comunidade, possibilitando a criação em arte no espaço do mundo, se valendo de táticas, procedimentos e métodos que não só dizem sobre o que aprendemos, mas nos dizem sobre aprender a aprender. É da fala e da escuta que surgem todas as nossas relações sociais, da família as decisões políticas.
Os transeuntes trazem suas experiências, muitas vezes, com certa ansiedade de
partilhá-las com alguém, uma necessidade de ser escutado. Entende-se que se não
há partilha, só há consume e não se avança; é uma busca por avançar juntos, através do diálogo. Chamo de trocantes, pessoas que de alguma forma estão dispostas a conversar e trocar, sejam experiências, histórias, narrativas ou ações. Alguém que sabe algo, que aprendeu algo, compartilhando esse conhecimento, esta experiência, a alguém que sabe outra coisa e tem outra experiência. Assim como (RANCIERÉ, 2012, p.7), ao apresentar a teoria de Joseph Jacotot, afirma que “um ignorante pode ensinar a outro ignorante aquilo que ele mesmo não sabe, ao proclamar a igualdade das inteligências e opor a emancipação intelectual à instrução pública.” Esses espaços de conversação tornam-se um ambiente horizontal, onde todos podem ser criadores, propositores e mediadores. Existindo uma horizontalidade garantida pela própria ação, em que as pessoas criam seu
próprio percurso na proposição. Cada um agindo a seu modo, no seu tempo. Assim, os elementos vão sendo compostos sem a obrigatoriedade de nenhuma hierarquia, o que proporciona liberdade e independência de ação e conhecimento. A potencialidade dos espaços públicos como arte se dá pelo envolvimento individual de muitos, através de práticas que buscam mesclar-se ao cotidiano. Essas práticas artísticas transformam o cotidiano em potência no acontecimento pela necessidade de participação e troca. Como explica Groys:


[...] Uma tendência em direção a práticas participatórias e
colaborativas é inegavelmente uma das principais características
da arte contemporânea. Ao redor do mundo, têm surgido
numerosos grupos de artistas que estipulam uma autoria coletiva,
quando não anônima, para suas atividades artísticas. O que
discutimos aqui são eventos, projetos, intervenções políticas,
análises sociais ou instituições educacionais independentes que
são iniciados, em muitos casos, por artistas individuais, mas que
somente podem ser efetivamente realizados com o envolvimento
de muitos.(GROYS, 1950, apud THAMES;HUDSON, 2008, p. 29)

 

Esse envolvimento coletivo é entendido como construção do sensível e baseado na subjetividade de cada um, pois é na conversa que cria-se cumplicidade, projetos e contra poder crítico que são formas de se reinventar, de elaborar a própria vida. Os encontros, os espaços de trocas e a conversa são as principais questões deste estudo, pois traz a seguinte questão: Até quando vamos compartimentar nossas vidas em áreas, como se elas fossem desconectadas? A construção do conhecimento, o trabalho, a arte e o lazer não se dão de maneira isoladas. Como diz Augé (2010, p.15), “hoje é incontestável que estamos prestes a viver um período histórico onde parece menos evidente a necessidade de dividir o espaço, o mundo ou o que se vive, para compreendê-los”. Neste sentido, como diz Márcia Tiburi (2013) “em tempos de comunicação de massas, numa sociedade estimulada pela mídia que nem sempre cumpre com seu papel de comunicar”, a conversa tornou-se uma questão essencial, portanto, uma necessidade artística. Pois esta, intercambia as experiências e as narrações. Ou seja, ela é o exercício experimental de alguém que vem de um sentido e vai para outro. A palavra sentido refere-se, neste
contexto, tanto o sentir de ser afetado por algo, como a direção que alguém escolhe
seguir.


Nessa perspectiva, por necessidade de cada sujeito, pode-se construir uma conversa coletiva, através das trocas de experiências, do cuidado com o outro, desenvolvendo potencialidades individuais, invenções em si compartilhadas ao coletivo. Tomados pela velocidade do dia a dia e submetidos a uma má política deixamos de conversar. Tiburi (2013) explica que nos campos de concentração da Alemanha nazista era comum a separação de prisioneiros de mesma língua e o convívio de prisioneiros de nacionalidades diferentes, o que Pierre Bourdieu (2004) chamou de “violência simbólica” uma maneira de impedir o contato pela palavra. Ainda hoje incorpora-se o medo da conversa e uma ansiedade ao contato de uma fala íntima. Tiburi (2013) diz que “desaprendemos de conversar por alguns motivos um deles é o descaso que temos com as palavras […] Não apenas os poetas e escritores devem cuidar das palavras, mas todos os humanos.” As conversas nos apresentam possibilidades de procedimentos em contextos específicos que nos favorece e desafia, trazendo noções de fala e escuta, assim avaliamos e reordenamos o que sabemos através do contato com o outro. Não mais o vendo como uma versão nossa, mas como uma versão do outro mesmo. Nesse sentido, as conversas tensionam questões e produzem diálogo no lugar de discursos. Tendo como fio condutor a) a relação com o outro b) o diálogo e a dissidência c) a fala e a escuta d) afetos e redes e) a partilha de produção/conhecimento f) avaliação e 
reavaliação coletiva. Deste modo, acredita-se que as conversas cumprem um importante papel que é o de conectar diferentes culturas, mentalidades, visões e experiências possibilitando intercâmbios, fortalecendo a construção de um debate ativo em nosso contexto. Sepúlveda e Bustos (2016) nos lembram que “vivemos a burocratização do contato com o outro, submetidos à cordialidade obrigatória, à evasão dos enfrentamentos e o descrédito da dissidência. Os relatos perdem profundidade e coerência em um protocolo de complacência.” Contrapondo-se a isso, as conversas criam ambiente de consensos e dissidências sustentando as próprias diferenças como ponto de encontro, trabalhando com as contradições e conflitos como parte da produção artística e da construção do conhecimento. Entende-se que as investigações em práticas artísticas na contemporaneidade estão interligadas às formas de
aprendizados que geram reflexão crítica sobre o presente. Pontuando, tensionando
e analisando os modos pelos quais os artistas se relacionam ao seu contexto social
e político. Assim como, atua em intervenções diretas na comunidade ou por meio de
reconfiguração das leituras hegemônicas do passado. Desenvolvendo estudos sobre
nossas próprias abordagens processuais e metodológicas. Acredita-se que,
discutindo juntos, em coletivo, podemos fazer reflexões necessárias e propor
mudanças significativas no que diz respeito aos nossos modos de habitar e nos
relacionar, de construir e compartilhar conhecimento e nos movimentar no mundo da
arte.


As ações de conversação nasce da necessidade dos artistas e outros profissionais
da arte de criar um ambiente coletivo onde a produção de arte seja mais experimental e livre. Pois, as conversas em exposições, workshops, ações, residências, etc. tem um papel aglutinador, diversificado, heterogêneo que criam redes de colaboração entre os artistas, suas práticas e a comunidade possibilitando a criação em arte no espaço do mundo, se valendo de táticas, procedimentos e métodos que não só dizem sobre o que aprendemos, mas nos dizem sobre aprender a aprender. O envolvimento espaço-temporal dado pelas conversas com um determinado grupo de pessoas possibilita criar uma relação duradoura entre os envolvidos, que podem converter conhecimentos de arte em formas de falar, de lembrar, de pensar e produzir realidade. As práticas colaborativas ajudam a desconstruir a ideia de genialidade do artista, aquele que fica sozinho em seu ateliê trabalhando até ter uma grande ideia. Nesse sentido, os artistas que utilizam a conversa como prática optam por pensar, agir e criar em coletivo. A arte na contemporaneidade permeia as questões cotidianas, assim como a conversa está presente no dia a dia de todos. Aprender a pensar criticamente sobre o tempo e sobre o espaço, é aprender a refletir sobre a vida e os modos como nos relacionamos uns com os outros, é dar valor as experiências. 
Como cita Bondía (2002), “nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara”. Isto não representa uma banalização das práticas artísticas, tampouco uma negação do cientifico, pois “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que passa, não o que acontece, ou que toca.” (BONDÍA, 2002, p.21). Assim, as ações de conversação indicam novas maneiras de se relacionar com a arte, com pessoas e com os espaços. Para analisar sobre como se dão as relações de arte nas experiências de conversação em espaços específicos, é utilizada uma metodologia exploratória e diagnóstica, desenvolvida em espaços cotidianos, promovendo experimentações, experiências e trocas. São desenvolvidas proposições indivisíveis entre a ação e sua localização, demandando a presença do outro para gerar sentido no contexto ao qual está inserido. Todas as ações ocorrem através da abordagem do diálogo, da possibilidade do encontro e da desaceleração do tempo em práticas artísticas. Pois, estas praticas como diz Canton (2009, p.51), “desestabilizam nossas compreensões da vida e injetam sutilezas, incertezas, sons que se recombinam e se estranham entre si”. Deste modo podemos falar sobre sociabilidade (Maffesoli, 2008), ou seja, em vez de relações contratuais, relações mais favoráveis são estabelecidas, mais
afetivas, onde reaparece a partilha do sensível.

 


Sentar à porta: um espaço de escuta


A falta de tempo, a insegurança e a arquitetura hostil das cidades foram levando as
pessoas cada vez mais para dentro de suas casas, atrás de suas portas e grades,
transformando a calçada em um espaço unicamente de passagem. Para contrapor
essa lógica o projeto "Sentar a Porta", de 2014 a 2018 se volta a escuta da fala
pública, o exercício mais caro da democracia, onde é o cidadão quem pode falar.
Pois, “a capacidade de escutar está em extinção” diz Tiburi (2013), Quantas vezes
parecemos conversar, mas isso não ocorre. Um fala e o outro apenas espera sua
vez de falar sem escutar. Dessa forma, a conversa é uma possibilidade para a
“desmassificação” das relações, pois como nos diz Augé (2010, p.108): “aprender a
se deslocar no tempo, aprender a história, é educar o olhar focado no presente,
prepará-lo, torná-lo livre”. Por isso, é feito um convite para os moradores dos bairros
e centro a sentarem em frente a suas casas, pelo menos por 5 minutos por dia.
Bate-se de porta em porta e propõe-se uma conversação na calçada sobre a rua, o
bairro e a cidade, no entanto, os moradores podem conversar e propor a conversa
que desejarem. A conversa no projeto Sentar à Porta é uma conversação, pois o
objetivo da conversa é conversar. A conversa não é utilizada para chegar a um objeto de arte ou uma ação artística. O conversar é a pratica artística. Uma conversa que não é mediada por um consumo como aquela que acontece em bares e restaurantes. Uma conversa sem objetivos posteriores e sem fins lucrativos. Apenas um ato de se colocar em relação ao outro e escutá-lo. Ao contrário do que é apresentado no registro documental do projeto, nem sempre os vizinhos aceitam a sentarem com uma desconhecida em frente a suas casas simplesmente para conversar. Há sempre um jogo de convencimento, uma conversa que precede a conversação. Alguns vizinhos têm receio de abrir a porta de casa por medo de violência, outros me confundem com fiscais da prefeitura e acham que vou coletar dados para prejudicá-los e há aqueles que acreditam que vou cobrar dinheiro para conversar. Raríssimos são os acreditam que a proposta é apenas conversar. É evidente que perdemos o hábito da conversa, que deixamos de conhecer pessoas próximas geograficamente pelo medo que temos de confrontar o outro. Confrontar no sentido de ser fronteira, de estar defronte ao outro. No bairro Porto de Pelotas-RS em 2014, as calçadas permaneciam vazias, com exceção de alguns casais de mais idade. As pessoas não conhecem mais seus vizinhos e a apropriação de espaço se baseia na relação com as pessoas. Só assim, o espaço publico deixará de ser refém
de uma política partidária que se baseia em interesses econômicos e não humanos.
Como diz Bourriaud (2009): "Parece mais urgente inventar relações possíveis com os vizinhos de hoje do que entoar loas ao amanhã. E só, mas é muito". Entendendo que as calçadas podem ser uma arquitetura de discurso publico, como exemplo: no bairro Restinga, Porto-alegrense durante a exposição #Reabito da Revista Arte Contexto em 2015, as pessoas se aglutinaram em uma ou duas casas e acabaram por debater o bairro, com suas histórias e mudanças. Para muitas, foi a primeira oportunidade de comunicar com seus vizinhos. A conversa torna o espaço mais humano, cria laços afetivos entre moradores e são nessas relações que nos tornamos resistência à violências institucionais. Assim, a proposição continua a buscar táticas de autonomia do sujeito pela fala. O que importa nessas ações é o processo de continuidade, um inacabamento fundamental, em que todos participantes, de maneira direta ou indireta, podem/são considerados autores. Mas para isto acontecer, é necessária uma interrupção no cotidiano, uma pausa, uma condição de espera, um estar junto que proporcione envolvimento e troca. Como diz Larrosa: A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gosto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2002, p.19).


Perdemos a confiança uns nos outros pelo excesso de informação. Contar histórias
se transforma em um jeito de se aproximar do outro e durante essa troca, restaura-se a confiança. Essas histórias e experiências podem ser contadas e reestabelecidas pelos ouvintes. Segundo Walter Benjamin (1994, p.201), essas histórias se renovam, diferentemente das informações, que perdem seu valor no momento que não são mais novas. As ações em espaços urbanos públicos contribuem através da conversa para uma arte que não se impõe linearmente, mas que é construída através de micropolíticas, investigações, experimentos dos espaços que habitamos, podendo refletir nas relações humanas e entendendo como elas não só mudam nossa percepção de mundo, mas o mundo em si. Ocupar aquilo que é publico qualifica o espaço e o sujeito. Sentar à porta é uma prática do uso do espaço simples e humana. É uma percepção do contexto que somente a população que usa o espaço, consegue perceber. O trabalho da artista, neste caso, é dar visibilidade às praticas desenvolvidas por cidadãos comuns, e à forma como
se apropriaram do seu espaço cotidiano. Assim, a conversa enquanto conversação é
um espaço mole que torna possível habitar espaços austeros como os espaços públicos.


Considerações finais


Uma conversa nunca acaba, a conversa atravessa. Ela pode se deslocar no tempo e
no espaço. A conversa tem relação com a duração. Ela começa, mas não acaba, é
fim em si mesmo. A conversa pode resolver coisas e desestablizar outras. A conversa é um ato político. Da conversa inicia movimentos de resistências. Ela é o disparador e a prática artística. O que se quer saber é o que o sujeito tem a dizer. O que gera sentido nele? A conversa é geradora de sentido. Ela não é um consenso. Ela tece dúvidas. Em suma, é possível afirmar a presença fundamental das conversas para o pensamento artístico contemporâneo e suas contribuições para os processos sociais. Não temos aqui a pretensão de responder todas as questões levantadas ao longo do texto, que serão respondidas na medida do aprofundamento dessa pesquisa. Esta investigação ainda está em andamento, portanto, neste momento apenas posso conjecturar alguns caminhos não definitivos. Buscou-se apresentar indagações e pontuar questões da contemporaneidade que confirmam a relevância das conversas como espaço de arte, isto é, esses espaços apresentam características como diálogos, participação, trocas, colaboração, redes de contato, experimentação e a relação com a comunidade. Uma forma contemporânea que reivindicamos como táticas fundamentais para ampliar as
possibilidades de nos relacionarmos com o outro e com os espaços que habitamos.
Assim, pontuamos que a conversa como prática artística é possível através da 
conversação quando ela é uma ação experimental e livre em si mesma. Quando o
propósito da conversa é conversar.


Referências


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MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades pósmodernas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
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Acesso em: 13 de outubro de 2015. Disponível em:
<http://www.marciatiburi.com.br/textos/conversareumaforma.htm>.
 

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